O Consentimento Informado na responsabilidade médica
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A vida e a integridade física e psíquica são bens constitucionalmente protegidos, e todo paciente deve possuir ampla liberdade de escolha, dentre as possíveis opções de métodos diagnósticos, procedimentos e tratamento.
O consentimento informado livre e esclarecido (CILE) é a expressão prática do respeito à autonomia e manifestação de vontade do paciente, considerado como respeito ao seu direito de autogovernar-se e à participação ativa no seu processo terapêutico, inserindo-se no âmbito dos direitos humanos fundamentais, e essa autonomia decorre do dever de informar por parte dos profissionais de saúde. Portanto, o médico precisa do consentimento do paciente para executar licitamente qualquer tratamento ou procedimento médico.
A medicina é, reconhecidamente, uma atividade de risco inerente à sua própria natureza e forma de prestação. Todo ato médico tem o potencial de interferir, de algum modo, em um bem juridicamente protegido do paciente, quer seja sua integridade física durante uma cirurgia, sua liberdade durante um tratamento ou período de internação hospitalar, ou ainda sua intimidade devido aos segredos de sua vida pessoal revelados no prontuário. Em função do risco inerente à própria atividade médica, um dano a um paciente pode ocorrer de forma fortuita e inesperada, ainda que o serviço seja prestado com toda a técnica e segurança.
Um dos maiores problemas, dentre os tantos que afetam os profissionais para o bom exercício da medicina nos dias de hoje, é a expectativa de se deparar, a qualquer momento, com uma demanda ou processo judicial causado por insatisfação de algum paciente.
Neste contexto, assume especial importância o assim chamado “Termo de Consentimento Informado Livre e Esclarecido” (TCILE), hoje muito valorizado nos meios jurídicos quando se trata de atividade médica em qualquer ramo ou especialidade.
Consentimento Informado X Termo de Consentimento Informado
É importante esclarecer a diferença entre “consentimento informado livre e esclarecido” (CILE) e “termo de consentimento informado livre e esclarecido” (TCILE). Enquanto o CILE é atributo da boa prática médica, respeitando a autonomia do paciente, o TCILE é o instrumento formal, escrito, assinado por médico e paciente, tanto na prática diária da medicina quanto em protocolos de pesquisa.
Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), o CILE consiste no ato de decisão, concordância e aprovação do paciente, ou de seu representante legal, após a necessária informação e explicações, sob a responsabilidade do médico, a respeito dos procedimentos diagnósticos ou terapêuticos que lhe são indicados (Recomendação CFM nº 01/2016).
Assim, antes de livremente consentir, o paciente deve, além de informado, ser esclarecido quanto aos riscos inerentes aos procedimentos, aos benefícios, os resultados normais e anormais, efeitos colaterais, bem como sobre a existência de alternativas viáveis. O dever de informar fundamenta-se na boa-fé, princípio basilar de toda e qualquer relação contratual; no dever de respeito à dignidade do ser humano e à integridade psicofísica da pessoa; e na autodeterminação e autonomia da vontade do paciente.
A Diferença entre Consentimento Informado e Consentimento Informado e Esclarecido
Embora aparentemente não haja diferença entre eles, a mera informação se diferencia substancialmente do esclarecimento, especialmente se observado seu impacto na esfera jurídica, em particular na responsabilidade civil do profissional de saúde.
Em termos muito resumidos, informação pode ser entendida como o conteúdo de dados, registros e instruções de determinado evento que é passado a outrem, independentemente se o receptor está ou não assimilando a mensagem. Vista desta maneira, a informação não tem que ser precisa, ou até mesmo verdadeira, bastando ser recebida e processada. Já esclarecimento é a clarificação da informação, atentando para que o receptor entenda e assimile perfeitamente o conteúdo e qualidade da mensagem.
Deste modo, esclarecer é muito mais que meramente informar. A doutrina e jurisprudência indicam que, para o mundo jurídico, a insuficiência das informações, ou o não esclarecimento prestado ao paciente sobre o seu estado de saúde e as formas e consequências do tratamento, fazem com que o consentimento dado nestas situações possa ser considerado como inexistente, pois surge a presunção que, se o paciente tivesse sido mais bem instruído e esclarecido, talvez não tivesse consentido com aquele procedimento ou tratamento em particular.
Assim, em termos de livre consentimento para determinado procedimento médico, respeitando o princípio da autonomia, não bastaria apenas a mera passagem de informações para o paciente (como ocorre com simples formulários padrão ou pré-impressos), mas a certeza que este, dentro de sua capacidade cognitiva, entendeu adequadamente o procedimento em toda sua extensão, consequências e riscos, concordando (ou não) com a indicação.
As informações e os esclarecimentos dados pelo médico têm de ser substancialmente adequados, ou seja, em quantidade e qualidade suficientes para que o paciente, ou seu representante legal, dentro de sua capacidade cognitiva, possa tomar sua decisão, ciente do que ocorre e das consequências que dela possam decorrer. O paciente deve ter condições de confrontar as informações e os esclarecimentos recebidos com seus valores, projetos, crenças e experiências, para poder decidir e comunicar essa decisão, de maneira coerente e justificada.
Neste sentido, é importante que o médico entenda que, do ponto de vista jurídico e de responsabilidade, o consentimento informado e esclarecido é um processo complexo que envolve informações, explicações, assimilação e consentimentos, e não uma simples assinatura em um formulário. Esse processo envolve respeito, diálogo, paciência e persistência entre todos que participam do processo.
Obrigatoriedade do Consentimento Informado Livre e Esclarecido
O Código Civil de 2002 possui norma com força de cumprimento obrigatória: “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica” (art. 15, CC). Este dispositivo legal deve ser interpretado de forma ampla, e encontra aplicação em todas as áreas de atuação em que exista relação médico-paciente, excetuadas situações de urgência.
O Código de Defesa do Consumidor, dada a reconhecida natureza consumerista da atividade médica (no que se denomina de “contrato médico”), também apresenta norma no sentido da obrigatoriedade do prestador de serviço (o médico) informar amplamente o consumidor de seus serviços (o paciente) sobre as características dos procedimentos e tratamentos e, em especial, dos riscos que apresentam (art. 6º, III, CDC).
Em outros países, como a Itália, há norma legal específica que obriga o médico a proporcionar ao paciente informação idônea sobre diagnóstico, prognóstico, perspectivas, eventuais alternativas diagnóstico-terapêuticas e consequências previsíveis das decisões tomadas.
Dentro do Código de Ética Médica (CEM) há vários dispositivos (arts. 22, 24, 31, 34 e 102, § único) que indicam a obrigatoriedade do médico ao respeito à autonomia decisória do paciente através da ampla informação, exceto ao iminente “perigo de vida”. Desta forma, o CEM é claro no sentido que o médico não pode limitar o direito de o paciente decidir livremente sobre sua pessoa, seu bem-estar e seu tratamento.
A exigência de consentimentos informados livres e esclarecidos nas normas legais e éticas, portanto, traz em seu bojo a obrigatoriedade de sua obtenção antes de qualquer procedimento médico, seja diagnóstico ou terapêutico, inclusive para preservar a licitude e eticidade do ato médico. No entanto, o consentimento informado livre e esclarecido pode ser dispensado em determinadas situações, consideradas sempre como exceção:
- Emergência: são os casos de iminente risco de morte ou grave lesão física, em que o atendimento ou procedimento devem ser feitos de imediato, caso contrário o prejuízo ao paciente poderá ser ainda maior ou irreversível. Nestes casos, tal fato deverá estar adequadamente descrito e justificado pelo médico no prontuário do paciente;
- Tratamentos compulsórios: ocorre quando a saúde da sociedade prevalece sobre a autonomia individual da pessoa. É o caso, por exemplo, das campanhas de vacinação obrigatória;
- Recusa à informação: ocorre quando o paciente, usufruindo do princípio da autonomia, não se interessa sobre o procedimento médico ao qual será submetido, e permite o médico a fazer o melhor em seu interesse. Nestes casos, tal fato deverá estar adequadamente descrito pelo médico no prontuário do paciente;
- Riscos graves para a saúde pública: ocorre nas situações em que pacientes portadores de enfermidades transmissíveis, potencialmente causadoras de riscos graves para terceiros, negligenciam o tratamento ou negam seu consentimento para a adoção dos cuidados necessários. Nestes casos, deverá estar suficientemente descrito e justificado pelo médico no prontuário do paciente e, conforme o caso, ser comunicado à autoridade competente;
- Privilégio terapêutico: ocorre nas situações excepcionais em que o médico, avaliando as circunstâncias específicas do caso concreto, entende o que é melhor para o paciente, adotando o procedimento mais adequado e cientificamente reconhecido para atender ao princípio ético da beneficência. É o caso, por exemplo, de mudança de procedimentos durante uma cirurgia. O privilégio terapêutico transcende a proteção da liberdade e da autonomia do paciente porque justifica a preferência pela proteção da saúde e da vida quando há colisão entre esses valores. Nestes casos, também deverá estar descrito e amplamente justificado pelo médico no prontuário do paciente;
- Riscos graves ao paciente: é uma situação excepcional, também considerado como privilégio terapêutico, utilizado nos casos em que a revelação da verdade sobre a saúde possa causar grave prejuízo (físico ou psíquico) ao paciente, de forma a constituir um justo motivo proibidor para a obtenção de seu consentimento. Também nestes casos deverá estar suficientemente descrito e justificado pelo médico no prontuário do paciente, bem como a discussão com os familiares ou responsáveis legais.
Consentimento Informado Livre e Esclarecido verbal ou escrito?
O CILE verbal, por si só, é perfeitamente válido. As normas legais e éticas não indicam a obrigatoriedade que o consentimento informado livre e esclarecido seja escrito e assinado, ou seja, as normas determinam que deve ser garantido ao paciente o direito de exercício de sua plena autonomia na decisão de se submeter ou não ao procedimento ou tratamento indicado pelo médico, o que implica em informações, esclarecimentos e consentimentos, mas não necessariamente de forma escrita.
De fato, o art. 107 do Código Civil brasileiro indica que a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.
O consentimento informado livre e esclarecido, quando realizado de forma escrita e firmada, passa a se denominar “termo”, um instrumento jurídico que, se realizado dentro de condições válidas, tem força probatória.
No caso de CILE não escrito, o médico poderá demonstrar a existência do consentimento por outros meios, como, por exemplo, a prova testemunhal ou anotações no prontuário. No entanto, para os procedimentos médicos que envolvem maior complexidade e risco, como exames invasivos, cirurgias, transplantes, entre outros, ou aqueles com grande potencial de gerar dano ao paciente, recomenda-se fortemente que o consentimento informado livre e esclarecido seja feito em documento próprio, por escrito e assinado, observados seus termos de conteúdo e validade.
Também em casos de procedimentos em que a doutrina e jurisprudência entendem pela existência obrigação de resultado, como nos procedimentos estéticos e anestésicos, recomenda-se que o consentimento informado livre e esclarecido seja feito por escrito e assinado, além de ser exaustivo e absolutamente claro em termos de riscos e possíveis resultados adversos.
É importante que os profissionais de saúde compreendam que, juridicamente, o dever de informar adequadamente é uma obrigação autônoma e independente da culpabilidade técnica de um ato médico. Encontram-se na jurisprudência inúmeros acórdãos dos Tribunais de Justiça, e do próprio Superior Tribunal de Justiça, manifestando-se favoravelmente pela responsabilização dos médicos nos casos de falta de consentimento informado livre e esclarecido por escrito e assinado pelo paciente, mesmo que uma perícia médica conclua pela adequação das condutas técnicas.
Ressalte-se que a mera assinatura em formulários padronizados e pré-impressos podem não ser considerados, a nível judicial, como TCILE válidos. Encontram-se na jurisprudência inúmeras decisões de tribunais neste sentido, pois a mera documentação das informações não substitui o processo dialógico entre o profissional e o paciente. Pelo contrário, ao formular documentos vagos e genéricos, os tribunais entendem que estes são fortes indícios de que o paciente não foi adequadamente informado.
A importância de o consentimento informado livre e esclarecido ser realizado por escrito, assinado e com conteúdo adequado e válido se dá principalmente na defesa profissional, mais especificamente na responsabilidade civil do médico. Em determinadas situações, atendido determinados pressupostos, pode haver, por determinação judicial, a inversão do ônus da prova contra o médico, ou seja, pode ser determinado que o profissional prove que as informações e esclarecimentos foram adequadamente fornecidos e o paciente consentiu livremente com o procedimento, estando ciente dos riscos.
A Validade Jurídica do Consentimento Informado Livre e Esclarecido
Para que o CILE tenha validade jurídica e valor probatório, este deve atender a três requisitos obrigatórios:
- Capacidade: é essencial a pessoa (paciente) que será submetido ao procedimento ou tratamento tenha capacidade intelectual ou psicológica de discernir a extensão dos riscos e circunstâncias do ato médico, e se baseia principalmente na habilidade de envolver-se com o assunto; compreender e avaliar o tipo de alternativas; e a comunicação de uma preferência. Nos casos de incapacidade, o consentimento deverá ser dado pelo representante legal (pais, tutor ou curador);
- Qualidade da informação: deve ser prestada pelo médico em linguagem clara, acessível e objetiva, observando a capacidade de compreensão de cada pessoa, as condições físicas e psíquicas do paciente, abordando desde os diagnósticos, os prognósticos, tratamentos a efetuar, riscos, benefícios e alternativas, se existentes;
- O livre consentimento: trata-se da decisão voluntária, sem qualquer intervenção de força, fraude, mentira, coação ou outra forma de restrição ou coerção posterior, realizada por pessoa autônoma, de forma livre, como demonstração inequívoca de respeito à sua liberdade, após encontrar-se adequadamente esclarecido.
Independentemente se o consentimento foi obtido de forma escrita ou não, se o paciente (ou seu representante legal) ainda tiver dúvidas, solicitar outros esclarecimentos ou sentir-se inseguro, deverá ser novamente instruído e esclarecido, sem qualquer tipo de influência, constrangimento, coação ou ameaça, a fim de preservar sua autonomia e manter a integridade jurídica do consentimento. Assim quanto menos urgente for o procedimento ou tratamento, mais cuidadoso e completo é o dever de informar.
É importante que, em havendo esclarecimentos adicionais, bem como a mantença do consentimento, sejam estes anotados, no mínimo, em prontuário médico.
O consentimento informado livre e esclarecido só deve ser considerado como efetivamente dado pelo paciente quando o médico estiver absolutamente certo que lhe foram prestados e entendidos os indispensáveis esclarecimentos sobre o procedimento, assim como riscos, benefícios, consequências e alternativas. Como o objetivo é o esclarecimento e o livre consentimento, é preciso que o médico valide a informação que está transmitindo, ou seja, certifique-se e registre que o paciente (ou seu representante legal) compreendeu o sentido e o alcance das informações e da decisão que está tomando.
Todo médico deve estar ciente que, entre o dever ético de informar e de obter o consentimento, situa-se o dever jurídico de averiguar se o paciente entendeu corretamente as informações e esclarecimentos que lhe foram dados. Um paciente bem informado constrói suas expectativas baseado na realidade de seu caso, e isso demonstra a importância de um adequado processo de informações e esclarecimentos.
Objetivos do Termo de Consentimento Informado Livre e Esclarecido
Em termos práticos, são dois os principais objetivos do TCILE:
- O registro material do esclarecimento, por parte do médico, sobre os procedimentos, os riscos de possíveis complicações, suas consequências, os benefícios, malefícios e as alternativas de tratamento, procedimentos ou experimentação terapêutica a que o paciente será submetido, trazendo licitude ao ato médico;
- Fazer constar, de forma clara, a livre autorização (ou não) do paciente e/ou do representante legal para a realização do tratamento ou procedimento.
Elementos do Termo de Consentimento Informado Livre e Esclarecido
Como todo e qualquer documento com valor jurídico, o TCILE deverá ser elaborado contendo elementos mínimos de conteúdo. Os pacientes estarão aptos a tomar uma decisão livre e autônoma se tiverem condições para entender a informação material, julgá-la em relação a seus valores, pretender certo resultado e comunicar, livre e coerentemente, seus desejos ao médico, manifestando sua voluntariedade. Segundo o CFM, estes elementos são:
- Elementos iniciais: são as condições prévias que tornam possível o consentimento livre e esclarecido, quais sejam, a efetivação das condições para que o paciente possa entender e voluntariamente decidir, ou seja, a liberdade do paciente para adotar uma decisão;
- Elementos informativos: trata-se da exposição da informação material, com a explicação da situação, recomendações e indicações diagnósticas e terapêuticas. A informação material inclui dados sobre diagnóstico, natureza e objetivos da intervenção diagnóstica ou terapêutica necessária e indicada, alternativas, riscos, benefícios, recomendações e duração. Os elementos informativos, individualizados para cada procedimento proposto, devem ser esclarecedores, a fim de propiciar uma decisão autônoma;
- Compreensão da informação e consentimento: a autonomia de decidir depende da plena compreensão da informação. O ato do consentimento, em si, compreende a decisão a favor, ou contra, do plano diagnóstico-terapêutico proposto e/ou a escolha entre as alternativas propostas.
Os Limites do Dever de Informar
Em termos dos limites do dever de informar, não se exige que as informações a serem fornecidas sejam uma verdadeira aula de medicina, mas deve o médico informar e esclarecer o paciente (ou seu representante legal), em quantidade e qualidade de forma que se possa razoavelmente presumir que uma pessoa comum, diante daquela mesma situação, aceitaria (ou não) o procedimento recomendado.
O médico precisa estar ciente que tanto a insuficiência quanto o excesso de informação consistem em defeito de informação, pois prejudicam o conhecimento pleno do paciente acerca dos procedimentos médicos a que se submete, e podem tornar inválido o consentimento. As informações e esclarecimentos devem ser fornecidos em qualidade e quantidade adequadas para o bom entendimento do paciente, considerando-se sua capacidade intelectiva. Deve-se evitar a saturação de informações que possam, em vez de ajudar, comprometer a compreensão.
Assim, devem-se considerar os principais riscos, diretamente decorrentes da atuação médica no caso concreto, e que poderiam levar o paciente a querer (ou não) se submeter ao tratamento. As exigências de atenção ao consentimento informado livre e esclarecido devem ser atendidas na medida em que aumenta o risco ou o dano ao paciente relacionado ao procedimento.
O momento em que o consentimento informado livre e esclarecido é dado pelo paciente é importante do ponto de vista jurídico. Prestar as informações e esclarecimentos com antecedência adequada ao procedimento ou tratamento aumenta sua confiabilidade, pois demonstra que o paciente teve tempo suficiente para refletir sobre os riscos da situação. Assim, sugere-se que o TCILE seja deixado em posse do paciente ou seu representante legal pelo tempo que for necessário para que possa ser lido, compreendido e levantadas as dúvidas referentes ao procedimento, voltando então a dialogar com seu médico, a fim de ser suficientemente esclarecido e, então, validamente consentir.
Conteúdo do Consentimento Informado Livre e Esclarecido
O consentimento informado livre e esclarecido, seja verbal ou escrito, precisa conter um mínimo de conteúdo para assegurar que o paciente, ou seu representante legal, efetivamente compreenderam as principais informações referentes a cada procedimento que será realizado. Desta forma, sugerimos como conteúdo mínimo do TCILE:
- Identificação e qualificação completa do paciente ou seu representante legal;
- Objetivo do TCILE, com a denominação do procedimento proposto;
- Descrição dos diagnósticos e comorbidades apresentados pelo paciente;
- Descrição, natureza, objetivo, justificativa e benefícios esperados do procedimento recomendado ao paciente, em linguagem clara e acessível;
- Riscos, efeitos adversos, complicações e demais aspectos específicos e inerentes do procedimento, em linguagem clara e acessível;
- Descrição e duração dos possíveis desconfortos durante e após o procedimento, em linguagem clara e acessível;
- Cuidados que o paciente deve adotar antes e após o procedimento, em linguagem clara e acessível;
- Métodos alternativos disponíveis e suas principais vantagens e desvantagens em relação ao procedimento proposto, em linguagem clara e acessível;
- Declaração do paciente de que está devidamente informado e esclarecido acerca do diagnóstico, procedimento sugerido e seus efeitos;
- Declaração do paciente que lhe foi dada a oportunidade de, com antecedência suficiente, verificar as informações e clarificar todas as dúvidas referentes ao procedimento, estando devidamente esclarecido antes de consentir;
- Declaração do paciente que tem ciência que é livre para não consentir com o procedimento, sem qualquer penalização ou prejuízo a seus cuidados, bem como as consequências do não-consentimento;
- Declaração do paciente que está ciente que, em determinadas circunstâncias, o médico poderá adotar condutas não descritas ou esclarecidas, visando o seu bem e atendendo ao princípio da beneficência e da supremacia da saúde e da vida;
- Declaração do médico que explicou o procedimento e seus corolários, de forma clara e acessível, antes do consentimento do paciente, colocando-se à disposição para todos os esclarecimentos necessários;
- Data de entrega das informações e esclarecimentos para o paciente e data do efetivo consentimento;
- Nome completo do médico, assim como, quando couber, de membros de sua equipe, e seus meios de contato, para que possam ser facilmente localizado pelo paciente;
- Assinatura do médico e assinatura ou identificação por impressão datiloscópica do paciente ou de seu representante legal.
O consentimento livre e esclarecido precisa conter, em seu teor, informações particulares específicas de cada procedimento que será realizado. Assim, por exemplo, em caso de mamoplastia e dermolipectomia abdominal em uma mesma paciente, deve ser elaborado um TCILE específico para mamoplastia e outro para a dermolipectomia abdominal, cada um detalhando suas características.
Caso a opção seja por consentimento verbal, o médico deve registrá-lo no prontuário do paciente. Caso seja realizado TCLIE, este deve ser elaborado em duas vias, ficando um com o paciente e outro arquivado no prontuário médico.
A Recusa ou Revogação do Consentimento
Na prática diária da medicina, podem ocorrer situações em que o paciente (ou seu representante legal), negue consentimento para a realização de determinado procedimento médico, ou revoguem consentimento já dado, trazendo consequências negativas para sua saúde e tratamento.
Se o paciente é juridicamente capaz e negar (ou revogar) seu consentimento ou, se incapaz, o seu representante legal, o médico deve propor alternativas, se existentes, dar-lhe tempo para reflexão e explicar o prognóstico e as consequências. Caso persista a negativa, deve ser preenchido e assinado um Termo de Recusa de Procedimento (TRP) ou Termo de Revogação de Consentimento (TRC).
O TRP e TRC devem conter, no mínimo, declaração que o paciente (ou seu representante legal) foi adequadamente informado e compreendeu perfeitamente as consequências do não-consentimento (ou revogação) do procedimento/tratamento proposto. Sugerimos, neste sentido, que o TRP ou TRC apresentem uma relação das principais e mais prováveis consequências da recusa ou revogação no caso concreto.
Se houver recusa do paciente (ou do representante legal) na assinatura destes termos, o médico deve necessariamente providenciar seu registro em prontuário médico. Se o paciente estiver sendo assistido por equipe médica, sugere-se que todos os profissionais envolvidos anotem individualmente no prontuário tal situação.
No próximo artigo daremos continuidade ao tema. A seguir, respostas para algumas das principais perguntas que, na qualidade de médico e advogado especializado na área de Direito Médico, nos são feitas rotineiramente:
- O médico pode ser responsabilizado pelo resultado adverso de um procedimento somente por não ter comprovado a adequação da informação e esclarecimento ao paciente, mesmo não tendo agido com culpa?
Sim. Há vários acórdãos de Tribunais de Justiça e do próprio Superior Tribunal de Justiça manifestando-se favoravelmente à responsabilização dos médicos nos casos de falta de informações ou esclarecimentos suficientes ao paciente, mesmo que uma perícia médica conclua pela adequação das condutas técnicas. O cumprimento do dever de informar e esclarecer é independente do dever de cuidados no ato médico, e cada um destes deveres deve ser observado individualmente, de modo que o descumprimento de qualquer um deles caracteriza inadimplemento ou violação positiva do contrato médico.
- A existência de um TCILE válido isenta o médico ou o hospital da responsabilidade civil decorrente de um mau resultado?
Não. O dever de informar e esclarecer é independente do dever de agir com as cautelas devidas. Assim, havendo alguma intercorrência ou mau resultado decorrente do ato médico, será apurado se houve culpa (imperícia, negligência ou imprudência), dano e nexo causal. Em havendo, o médico ou hospital poderão ser responsabilizados, mesmo se o resultado adverso estiver previsto no TCILE.
- O paciente pode reconsiderar seu consentimento livre e esclarecido a um determinado procedimento ou tratamento?
Sim. O paciente pode retirar seu consentimento a qualquer tempo, sem que daí resulte a ele qualquer desvantagem ou prejuízo, exceto se a retirada do consentimento, quando já iniciado o procedimento médico, implicar possibilidade de dano, risco ou qualquer tipo de prejuízo ao paciente. Aconselha-se que o médico assegure que o paciente foi adequadamente informado e esclarecido das consequências desta decisão.
- No caso de consentimentos verbais, o médico pode exigir a presença de testemunhas?
Entendemos que a presença de testemunhas para validar consentimentos verbais, ou mesmo escritos, é desaconselhável, tendo em vista que pessoas estranhas presenciando informações sobre a saúde do paciente pode caracterizar violação do sigilo profissional. Nos casos de consentimentos apenas verbais, o médico deve redobrar as cautelas no sentido de anotar exaustivamente em prontuário o conteúdo das informações, esclarecimentos e a concordância (ou não) do paciente. Assinatura do paciente ou do responsável no prontuário pode auxiliar a comprovação do consentimento.
- Durante uma cirurgia, o médico se vê obrigado a realizar um procedimento que não estava previsto ou previamente autorizado pelo paciente. Como proceder?
Trata-se de situação complexa, e não há uma única resposta a esta situação. No entanto, entendemos que em nenhum momento o sistema jurídico brasileiro indica, inequivocamente, que a autonomia do indivíduo sobre sua própria vida e saúde é absoluta. A autonomia decisória é um complemento do poder sobre si mesmo, devendo ser exercido no limite da manutenção da sua integridade. A relativização da autonomia decisória, em razão de limites objetivos no caso concreto, não representa a sua violação ou desconsideração. Assim, se durante uma cirurgia o médico verificar a necessidade premente de realizar um procedimento não previamente previsto, mas plenamente justificável em função das circunstâncias especiais e da excepcionalidade, não seria incorreto dar prosseguimento. Nestes casos, se possível, deve comunicar o fato ao paciente ou, na impossibilidade, aos familiares ou responsável legal, sempre anotando e justificando de forma detalhada no prontuário, atendendo ao princípio bioético da beneficência, pois, nestes casos, o privilégio terapêutico transcende a proteção da liberdade e da autonomia do paciente, justificando a preferência pela proteção da saúde e da vida quando há colisão entre esses valores.
- A assinatura de formulários pré-impressos de informação e consentimento antes de um procedimento é considerado um TCILE válido?
A doutrina e a jurisprudência entendem que os formulários padronizados devem ser utilizados apenas como instrumentos auxiliares do cumprimento do dever de informar, e seu uso isolado pode caracterizar um “contrato de adesão”, onde o livre consentimento é substituído pela mera adesão ao texto predefinido do formulário, o que torna o TCILE inválido. Do ponto de vista jurídico, o consentimento para um tratamento ou procedimento não é mero preenchimento de papel para ser colocado no prontuário do paciente, mas um processo complexo que envolve troca de informações e esclarecimentos entre o médico e o paciente, bem como sua permissão e concordância.
Autorizada a reprodução total ou parcial deste artigo, desde que citada a fonte, nos seguintes termos: GURFINKEL, Valter. O Consentimento Informado na responsabilidade médica. Disponível em <https://medicosperitos.com.br/artigos/44/O-Consentimento-Informado-na-responsabilidade-medica>. Acesso em 23/11/2024.
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