Noções básicas sobre responsabilidade civil do médico
A responsabilidade civil, de acordo com a doutrina jurídica, consiste na obrigação de reparar um prejuízo a alguém pela pessoa que o causou, decorrente de dolo, culpa ou de imposição legal, e tem como pressupostos essenciais a verificação da conduta do agente, de um dano e do nexo causal entre ambos.
A responsabilidade civil tem basicamente duas funções: (a) prover segurança jurídica, protegendo o lícito e reprimindo o ilícito; e (b) servir como sanção civil de natureza compensatória, mediante a reparação de um dano causado à vítima.
A atividade médica, como qualquer outra na área de saúde, apresenta, pela sua própria natureza, um risco potencial de resultados adversos por lidar com fatos e fenômenos biológicos imprevisíveis e ainda não totalmente compreendidos.
O organismo humano não é um dispositivo mecânico, em que os processos de funcionamento são, em regra, constantes e previsíveis. Tratar o organismo humano é muito mais complexo do que simplesmente “trocar uma peça defeituosa”.
A responsabilidade civil dos médicos segue a regra geral do Código Civil, presente nos artigos 186 e 951, bem como o parágrafo 4º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, a responsabilidade médica é, em regra, subjetiva, embasada na voluntariedade (o dolo), ou na culpa (o agir com imprudência, negligência ou imperícia), havendo também a necessidade da prova da existência de um dano (material ou imaterial), e do nexo causal entre eles.
Observa-se que, muitas vezes, este assunto vem sendo enfrentado pelo Poder Judiciário de modo superficial, sem o necessário aprofundamento técnico, gerando imprecisões, contradições, incoerências e, até mesmo, injustiças em relação aos profissionais envolvendo procedimentos médicos.
A teoria da responsabilidade civil
A responsabilidade civil, como visto, é a obrigação jurídica de se reparar ou de ressarcir um dano ou prejuízo causado a alguém. Na responsabilidade civil, a relação entre direito e obrigação está ligada àquele que, por sua conduta, causa um dano ou prejuízo e passa a ter a obrigação de repará-lo. O instituto da responsabilidade civil tem como principal objetivo, na ordem jurídica, proteger o lícito e reprimir o ilícito.
De forma bastante simplificada, pode-se dizer que há basicamente dois tipos de responsabilidade: a objetiva e a subjetiva. Neste aspecto, não se deve confundir responsabilidade com obrigação (de meios ou de resultado), que será estudado em outro tópico.
A responsabilidade objetiva é aquela baseada na “Teoria do Risco”, e que configura uma estratégia legislativa para distribuir os custos sociais da reparação de determinados prejuízos, em determinadas circunstâncias. A responsabilidade objetiva teve seu marco inicial em 1897 com Raymond Saleilles, na França, que propôs, em função dos crescentes índices de acidentes de transportes e industriais, que o princípio tradicional de responsabilidade até então vigente (a exigência de culpa) fosse substituído por um de simples causalidade, sem necessidade da avaliação do comportamento (dolo ou culpa) do agente causador do dano.
A Teoria do Risco, em outras palavras, indica que o causador do dano deve repará-lo, pelo simples fato que a atividade normalmente desenvolvida implica, por sua natureza, algum risco para os direitos de outros. Nessa modalidade, a verificação da culpa (o agir com negligência, imprudência ou imperícia) do causador do dano é irrelevante, pois bastará a existência do nexo causal entre o prejuízo sofrido e a ação do agente para que surja a responsabilidade e o dever de reparar o dano.
Em função do forte apelo social, a responsabilidade objetiva veio a ser adotada, progressivamente, em quase todos os ordenamentos jurídicos, por meio de leis especiais, aplicáveis a setores específicos da sociedade. No Brasil, estabeleceu-se a responsabilidade objetiva, por lei, nas atividades aeronáuticas, ferroviárias e de energia nuclear. Com a Constituição de 1988, a responsabilidade objetiva adquiriu uma nova e ampla perspectiva marcada pelo desenvolvimento do Código de Defesa do Consumidor e pela reparação dos danos através do conceito de “solidariedade social”.
Todas as teorias atualmente discutidas envolvendo a responsabilidade objetiva, como a teoria do risco-proveito, a teoria do risco-criado, a teoria do risco de empresa, a teoria do risco integral, a teoria do risco mitigado, entre outras, têm como ponto comum a proposição de uma responsabilidade independente de culpa. Assim, observa-se uma crescente aceitação jurídica de que a responsabilidade objetiva consiste em uma responsabilização não pela causa (conduta negligente ou imprudente, conduta criadora de risco etc.), mas somente pelo resultado (o dano).
A responsabilidade subjetiva, por sua vez, é a tradicional e fundada na “Teoria da Culpa”. Nesta espécie de responsabilidade exige-se a prova da conduta negligente, imprudente ou imperita do agente causador do dano (a culpa “strictu sensu”) para o surgimento da responsabilização e o dever de indenizar.
A culpa na responsabilidade médica
Pela própria natureza da medicina, ou seja, pela sua imprevisibilidade e variabilidade inerentes, a responsabilidade do médico seria, em tese, indissociável do conceito de culpa. Em outras palavras, para que o profissional de saúde tenha que se responsabilizar pelo resultado questionado, teria que ser provado, cabalmente, que agiu ou com dolo (vontade de causar o resultado) ou com culpa (imprudência, negligência ou imperícia).
Infelizmente, porém, a realidade nos mostra que, na prática, há uma enorme confusão pelos operadores do direito nesta área tão sensível, gerando verdadeira insegurança jurídica aos profissionais da saúde.
As normas positivas da legislação civil (artigos 186 e 951 do Código Civil), bem como a consumerista (artigo 14 § 4º do Código de Defesa do Consumidor), são claras no sentido que, em se tratando de responsabilidade civil em casos de atuação médica, é indispensável a prova inequívoca de que houve culpa no proceder do profissional.
De fato, a responsabilidade do profissional da medicina não poderá jamais se separar do conceito tradicional de culpa, no intuito de se qualificar a conduta do médico como apta a gerar obrigação de indenizar. Assim, torna-se obrigatória a verificação inequívoca, através de provas técnicas, da presença dos pressupostos da culpa, ou seja, negligência, imprudência ou imperícia no caso concreto.
A negligência médica é considerada um ato omissivo (um “deixar de fazer”) e caracteriza-se pela inação, indolência, inércia, passividade do profissional, é a falta de observância de deveres exigidos pelas circunstâncias.
A imprudência pode ser definida como um ato comissivo (um “fazer”) e caracteriza-se pela adoção de atitudes não justificadas, açodadas, é a precipitação e o agir sem cautela, a falta de cuidados que se deve ter nos atos profissionais, também verificado frente às circunstâncias.
A imperícia é a falta de conhecimentos técnicos, o despreparo prático, a incapacidade para exercer o oficio por falta de habilidade ou ausência dos conhecimentos necessários e exigidos na profissão.
Assim, pelo menos em tese, não se poderia imputar culpa ao médico por resultados adversos que tiveram origem em situações imprevisíveis, como fatores inerentes à própria condição de saúde do paciente, ou aquelas que não puderam ser controladas pelo profissional, não lhe exigindo conduta diversa daquela adotada no caso concreto.
A responsabilidade civil do médico, naturalmente, não pode decorrer do mero insucesso ou insatisfação com o diagnóstico, o tratamento ou resultado. Toda atividade médica é regida pela incerteza, variabilidade e imprevisibilidade, características inerentes à biologia humana. A possibilidade de um resultado adverso está intrinsecamente presente em toda e qualquer intervenção médica, sendo imprevisível o exato comportamento do organismo do paciente a qualquer tipo de procedimento. Por estes motivos, a responsabilidade do médico deve ser sempre, e exclusivamente, aferida pela existência dos pressupostos da culpa.
Na responsabilidade médica, a principal prova para a determinação e quantificação da culpa é a perícia médica especializada.
O dano na responsabilidade médica
Do ponto de vista jurídico, dano é toda lesão a um bem juridicamente protegido, causando prejuízo (desvalor) de ordem patrimonial ou extrapatrimonial. São patrimoniais os danos a interesses quantificáveis, e não patrimoniais (ou morais) aqueles que se verificam em relação a interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária.
Já foi visto que, para haver responsabilidade, a prestação do serviço médico deve ter gerado um dano (prejuízo), pois sem dano não há responsabilidade. Nos casos de responsabilidade médica, como são danos contra a pessoa humana, os principais casos são os danos contra a integridade física (inclusive estéticos) e à personalidade (dano moral).
Para haver responsabilização, em regra, o dano deve ser injusto, ou ilícito. Não se pode imputar culpa ao médico por resultados danosos que tiveram origem em condutas tecnicamente justificadas, como fatores inerentes à própria condição de saúde do paciente, e que não puderam ser controladas pelo profissional.
É óbvio que a intenção do médico, ao exercer suas atividades junto ao paciente, é beneficiá-lo. Mesmo assim o dano pode surgir, como resultado inerente da ação médica. Desta forma, por exemplo, não é indenizável o dano decorrente de uma amputação de um membro gangrenado, a retirada de um seio em função de um tumor maligno ou da vesícula biliar em função de cálculos em seu interior.
Da mesma forma, nem todo dano, em ocorrendo, é indenizável, devendo reunir certos requisitos. O dano deve ser certo, isto é, não se indeniza o prejuízo hipotético ou eventual, de verificação duvidosa. Somente haverá responsabilidade a lesão a patrimônio alheio, não havendo que se falar em dever de reparar dano infligido a si próprio ou ao seu próprio patrimônio.
Assim como na culpa, na responsabilidade médica, a principal prova para a determinação e quantificação do dano é a perícia médica especializada.
O nexo causal na responsabilidade médica
O nexo causal, ou relação de causalidade, é classicamente definido como o vínculo que se estabelece entre dois eventos, de modo que um represente consequência do outro. O dever de reparar um dano depende da existência de nexo causal entre determinada conduta e o resultado danoso. O nexo causal, portanto, é o vínculo real e verificável que une o dano à conduta do agente.
Em sede de responsabilidade médica, deve ser demonstrado inequivocadamente o vínculo direto e determinado entre a conduta do médico e os danos do paciente, sob pena de inexistir nexo causal e, por conseguinte, não existir direito à reparação desses danos.
Para nós, ao contrário do que se observa na doutrina e jurisprudência, não é admissível, para fins de responsabilização profissional, o assim chamado “nexo presumido ou provável”, pois apenas aquelas condutas que comprovadamente causaram o dano poderiam ser sancionadas. Assim, do ponto de vista técnico, o nexo causal não poderá nunca ser meramente presumido, mas inequivocamente provado.
Dentro do estudo do nexo causal, devem ser analisados os institutos excludentes de responsabilidade. Assim, para que se complete a relação de reparação civil, não pode haver qualquer fato que determine a presença de uma excludente de responsabilidade, uma vez que, se existir no caso concreto, será rompido o nexo causal, e não existirá qualquer dever de reparação.
Entre os principais excludentes de responsabilidade na seara médica tem-se o caso fortuito ou força maior, a culpa exclusiva da vítima, a causa pré-existente, concorrente e superveniente (chamada genericamente de “concausa”), e o estado da ciência à época dos fatos.
Especial atenção deve ser dada ao caso fortuito e força maior que, em uma definição bastante simples, trata-se do fato/ocorrência imprevisível ou difícil de prever que gera um ou mais efeitos/consequências inevitáveis. O Código Civil brasileiro, em seu artigo 393, expressamente indica o caso fortuito ou de força maior como excludente de responsabilidade.
Para a lei não há diferença de significado entre caso fortuito e força maior. Ambos são fatos necessários que não se pode evitar, ou seja, existem quando uma determinada ação gera consequências, efeitos imprevisíveis, impossíveis ou difíceis de evitar ou impedir.
As fatalidades causadas por fenômenos da natureza, como a variabilidade e inevitabilidade da resposta individual de qualquer organismo a uma intervenção médica, bem como as intercorrências inerentes e inevitáveis ao próprio procedimento, podem naturalmente ser enquadradas na hipótese de caso fortuito ou de força maior. O caso fortuito e a força maior, portanto, excluem o nexo causal por constituírem causa estranha à conduta previamente prevista do agente.
Assim como na culpa e no dano, na responsabilidade médica, a principal prova para a determinação do nexo causal é, também, a perícia médica especializada.
As provas na responsabilidade médica
As provas são requisitos fundamentais em qualquer tipo de processo, pelo qual se baseia qualquer decisão em um Estado Democrático de Direito. Com a sua ausência, qualquer decisão pode ter sua validade questionada, visto que estaria divergindo do sistema jurídico brasileiro contemporâneo.
O ato de provar expressa, na terminologia do Direito Processual Civil, a atividade desenvolvida pelos sujeitos processuais destinada a trazer para os autos informações que demonstrem as suas alegações. Assim, provar é demonstrar efetiva ocorrência de um fato concreto.
Toda prova possui como características o objeto (os fatos que desejam verificar), a finalidade (convicção sobre determinada alegação), o destinatário (aquele julgará ou decidirá o conflito) e os meios (espécies de provas e sua obtenção para constatar o fato).
A prova no processo civil visa trazer autenticidade aos fatos que estão sob julgamento, devendo ser produzida dentro dos limites impostos pela legislação ordinária e constitucional. São provas aceitas no direito brasileiro o depoimento pessoal, a confissão, juntada de documentos, depoimento de testemunhas, perícias, inspeções e todas as outras que elucidem e revelem a verdade dos fatos, desde que obtidas por meios lícitos.
O ônus da prova no sistema processual civil brasileiro, em regra, é estático, previsto no artigo 373 do novo Código de Processo Civil. Em síntese, cabe à parte autora (quem acusa) comprovar o fato constitutivo do seu direito, e cabe ao requerido (aquele que se defende) demonstrar a existência de fato que impeça, modifique ou extingue o direito do autor.
Entretanto, na seara da responsabilidade civil do médico, este conceito é bastante “flexibilizado”. Além da possibilidade da “inversão do ônus da prova”, previsto no inciso III do art 6º do Código de Defesa do Consumidor, o novo Código de Processo Civil trouxe a possibilidade de o magistrado atribuir o ônus da prova de modo dinâmico, de acordo com as peculiaridades do caso concreto, desde que fique demonstrado (a) a excessiva dificuldade da parte de cumprir o encargo a ela imputado, ou (b) quando houver maior facilidade da outra parte obter a prova do fato contrário.
Pela sua importância na responsabilidade do médico, este assunto será melhor estudado e detalhado em um outro artigo.
A flexibilização dos pressupostos de responsabilidade civil do médico
A responsabilidade civil é uma área notadamente doutrinária e jurisprudencial, e a peculiaridade de cada caso acaba por exigir cada vez mais a decisão dos juízes através de entendimentos dos estudiosos do tema (a doutrina) e dos precedentes dos Tribunais (a jurisprudência). Na regulamentação da matéria, a lei estabelece o dever de indenizar, mas deixa a cargo dos operadores do Direito a verificação da existência do ilícito no caso concreto.
Infelizmente, esta “abertura” jurídica torna fértil o campo da doutrina e da jurisprudência na análise do conteúdo e dos limites da responsabilidade civil do profissional de saúde. Ao contrário de regras estáveis e seguras que se poderia esperar pela importância da responsabilidade na área médica, observa-se, atualmente, uma imensa variedade de entendimentos e interpretações, gerando, não raro, soluções díspares para hipóteses idênticas, levando à inevitável insegurança jurídica na atividade dos profissionais de saúde, e à proliferação de ações judiciais em verdadeira “loteria jurídica”.
Na aplicação inadequada de critérios da responsabilidade civil, muitos tribunais acabam criando um padrão de reparação indiscriminada, guiados quase que exclusivamente pela noção social de “proteção à vítima”, estabelecendo um falso entendimento de que danos não se produzem por acaso ou fatalidade, mas consistem em um “efeito colateral” da própria atividade profissional, e quem o gerou deve se responsabilizar.
Parece lógico que a qualificação do procedimento adotado por um médico deve ser aferida através de prova irrefutável, e não por meras hipóteses. Infelizmente, no afã de proteger a vítima, atendendo a clamores sociais, o Poder Judiciário vem dispensando, com facilidade, a prova inequívoca da culpa e do nexo causal, e ampliando consideravelmente os conceitos de danos, mostrando-se cada vez menos interessado nos fatos geradores, e mais em quem pode suportá-los.
Atualmente, a culpa conserva um papel cada vez mais coadjuvante, sendo, em alguns casos, meramente presumida, ou aferida de modo extremamente facilitada, ao contrário do que ocorria no passado, quando se apresentava como pressuposto inafastável da responsabilidade civil profissional.
A culpa do médico, cuja prova inequívoca deveria ser cabalmente demonstrada pelo autor da demanda, hoje é mitigada em várias hipóteses, como, por exemplo, o reconhecimento de presunções de culpa; a inversão do ônus da prova; a aceitação da teoria do risco no trabalho médico; a adoção de teorias como a da “perda de uma chance”; a transformação da responsabilidade aquiliana em contratual, entre outras.
De fato, nos casos envolvendo responsabilidade de médicos, as presunções de culpa vêm sendo empregadas de forma cada vez mais abrangente e rigorosa, especialmente em certas atividades, como a cirurgia estética e obstétrica, na anestesia, nos exames complementares, nas atividades médicas que empregam alta complexidade tecnológica, entre outros.
Entendemos que, em que pese a evolução cada vez mais marcante da responsabilidade objetiva nas relações humanas, a noção de culpa continua desempenhando papel inafastável na etiologia da responsabilidade subjetiva, especialmente na área médica, sendo sua demonstração imprescindível. No entanto, não é incomum se ver médicos obrigados a indenizar, mesmo que as perícias médicas indiquem que o profissional agiu perfeitamente dentro das técnicas e cuidados exigíveis.
Assim como a culpa tem sido relativizada e flexibilizada em certas áreas de atuação do médico, o mesmo ocorre em relação ao nexo causal. Apesar de a doutrina clássica entender que o nexo causal não pode ser presumido, mas inequivocadamente comprovado, observa-se na jurisprudência uma ampliação excessiva das regras clássicas da causalidade, que se tornam extremamente flexíveis e questionáveis, voltadas, novamente, a garantir alguma “proteção” à vítima.
É óbvio que todo procedimento médico apresenta uma série de riscos inerentes, grande parte deles imprevisíveis. A variabilidade e incerteza inerentes à atividade médica é composta por uma série de fatores que fogem de toda a diligência e zelo do profissional, como o comportamento do organismo humano e seus fatores intrínsecos e individuais, associado à própria doença, a aderência do paciente com o tratamento e a inexatidão da ciência médica.
No entanto, mesmo os clássicos excludentes de causalidade, como o caso fortuito ou força maior e a culpa exclusiva da vítima vem sendo atualmente relativizados na doutrina e na jurisprudência. Na área médica, as decisões judiciais tem sustentado que o agente que pratica a conduta pode ser responsabilizado também pelo resultado mais grave, ainda que oriundo de condições particulares da vítima, ou de circunstâncias alheias ao alcance do profissional.
No próximo artigo daremos continuidade ao tema. A seguir, respostas para algumas das principais perguntas que, na qualidade de médico e advogado especializado na área de Direito Médico, nos são feitas rotineiramente:
- O trabalho médico tem alguma relação com o Código de Defesa do Consumidor?
Sim. A jurisprudência é pacífica no sentido de que a relação profissional entre médico e paciente tem natureza jurídica de consumo, sendo, por definição, o médico um prestador de serviço e o paciente um consumidor deste serviço. O Código Civil passa, então, a reger a atividade médica apenas subsidiariamente. Sendo assim, recaem primariamente sobre a atividade médica as regras consumeristas, o que afeta diretamente os mecanismos jurídicos de aferição de sua responsabilidade.
- Qual o prazo para que uma pessoa processe um profissional alegando erro médico?
Pelo Código Civil, o prazo para reclamar judicialmente de um alegado erro médico é de três anos, mas, pelo Código de Defesa do Consumidor, o prazo é de cinco anos, sendo este último o mais aceito pelos tribunais. Importante ressaltar que este prazo só se inicia no momento em que a pessoa passa a ter ciência inequívoca que é vítima de um suposto “erro”, nascendo para ela o direito de ação, mesmo que o fato gerador tenha ocorrido muito tempo antes. Por exemplo, se houve o abandono (esquecimento) de um material cirúrgico em um paciente, o prazo para acionar o médico (ou o hospital) se inicia no momento em que ele tem o conhecimento inequívoco do fato e passa a ter o direito de processar os responsáveis, e não a partir da cirurgia propriamente dita.
- A lei não determina que quem acusa deve provar suas alegações?
Sim. No entanto, esta regra tem sido amplamente flexibilizada, especialmente após o advento do Código de Defesa do Consumidor, com a inversão do ônus da prova, e o novo Código de Processo Civil, que permite a aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova. No entanto, o exercício do direito de ação, ao nosso ver, não é um direito absoluto, devendo estar condicionado a um motivo legítimo, a uma razão séria e comprovada para invocar a tutela jurídica, vez que do outro lado haverá um profissional que sofrerá as consequências da acusação. Entendemos que, quando o direito de ação é exercido de forma leviana e inconsequente, o autor está abusando deste direito, e poderá responder por isso, indenizando o médico requerido pelos danos morais e materiais sofridos.
- Um hospital pode ser responsabilizado objetivamente se o médico acusado, e integrante de seu corpo clínico, não for considerado culpado?
Não. Se o médico requerido foi isentado de responsabilidade em determinada acusação, o hospital também não poderá ser responsabilizado nesta mesma acusação, mesmo que sua responsabilidade seja, em regra, objetiva. Assim, para que a responsabilidade do hospital surja em relação a erro de médico integrante do seu corpo clínico, é preciso que fique, primeiro, provada a culpa do profissional. Por outro lado, o hospital tem responsabilidade objetiva por falha de médico integrante de seu corpo clínico, ou seja, provada a culpa do médico, o hospital pode ser responsabilizado e responderá solidariamente com o médico.
- Se o médico não é integrante do seu corpo clínico, o hospital pode ser responsabilizado?
Se o hospital não praticou qualquer ato que, de sua parte, possa ser caracterizado como serviço defeituoso, entendemos que a responsabilidade passa a ser exclusivamente do médico. Assim, os atos técnicos praticados pelos médicos sem vínculo de emprego ou subordinação com o hospital são imputados pessoalmente ao profissional acusado. No entanto, encontra-se na jurisprudência decisões em que o hospital foi condenado solidariamente com o médico meramente credenciado, sem vínculo empregatício, simplesmente porque este se subordinava administrativamente aos regulamentos do hospital.